Como qualquer trabalhadora, já estou reunindo a papelada para declarar meu imposto de renda – é nessas ocasiões que a gente vê como o tempo passa depressa mesmo, já está na hora de prestar contas ao leão de novo.
No entanto, a cada ano cumpro esse ritual com mais desânimo. Não só a cada ano, mas também a cada mês, quando uma significativa porcentagem do meu salário some da minha conta e vai parar no bolso de, por exemplo, servidores do Senado que recebem hora extra até quando não trabalham, absurdo que recentemente foi anunciado pela imprensa.
Não há como confiar que nosso dinheiro será aplicado em obras sociais e em desenvolvimento urbano e rural, quando se sabe que lá na boca do cofre estão políticos reconhecidamente corruptos e que ainda assim seguem merecendo o prestígio dos governantes, tudo por causa de uma palavra tão bonita e tão maldita, conforme o uso que lhe dão: aliança. Neste caso específico, uma aliança também conhecida como “me ajuda que eu te ajudo”.
Me sinto humilhada quando penso que o dinheiro que eu poderia usar para comprar mais livros ou para abastecer a despensa da minha casa vai parar na geladeira do Renan Calheiros, na adega do José Sarney e no tanque de gasolina do carro do Collor – e de seus protegidos.
Eu, como você, não tenho segurança quando circulo pelas ruas da cidade, mas o nosso dinheiro, seu e meu, paga os guarda-costas dessa turma que não costuma ser assaltada, e sim assaltar.
Alguma novidade? Nenhuma. Isso é que é esquisito. Não há novidade nenhuma nesse descaramento. Total déjà vu.
Ontem eu conversava com uma amiga que estava deprimida e, num desabafo, ela disse que, às vezes, se sente uma fraude. Logo ela, uma das mulheres mais bacanas e íntegras que conheço. Respondi que essa sensação me parece típica de quem se esforça para fazer as coisas direito e manter a dignidade – na hora que bate um cansaço existencial, temos a impressão que não estamos dando conta do recado, de tanto que a gente se exige. Ora, nesse sentido, quem não se sente uma fraude de vez em quando?
Ironia: os políticos, nunca. Cheguei a dizer isso para ela: esses caras (estou generalizando, há os que se fazem respeitar) são tão caras-de-pau que chegam a ser 100% honestos na sua desonestidade. É por isso que não sentem vergonha. Não fazem autocrítica. Sabem muito bem que estão a serviço deles mesmos e dane-se a opinião pública, danem-se os trabalhadores e dane-se o país.
O prazo de entrega da declaração encerra-se à meia-noite do dia 30 de abril. Já o prazo de encerramento dessa fanfarrice ainda não está nem perto de previsto.
Martha Medeiros